Eram as 03:00 horas da madrugada do dia 22 de maio quando me levantei da cama para deixar a comodidade da minha casa, situada num lugarzinho...
Eram as 03:00 horas da madrugada do dia 22 de maio quando me levantei da cama para deixar a comodidade da minha casa, situada num lugarzinho de cerca de 9 habitantes, numa aldeia com pouco mais de 250, incrustada no verdejante vale do Coura e rodeada por floresta de pinheiro-bravo e carvalheiras, em pleno coração do Alto Minho; a mesma região do
Caramuru ‒ Diogo Álvares Correia (1475?-1557), náufrago português que passou a vida entre os indígenas da costa do Brasil e foi fundador da Bahia. Deixar a casa, a esposa e os filhos, deixar pais e irmãos, é sempre uma situação difícil, para mais quando se parte sem saber o que vamos encontrar a mais de 10 mil quilómetros de distância. É uma mistura entre o querer partir à descoberta e a preocupação com os que ficam! Restava-me o nó na garganta e a pedra no estômago.
Os dias que antecederam a partida foram de grande correria, entre encerrar trabalhos, elaborar as apresentações e preparar a viagem e o equipamento necessário para as jornadas que me esperavam, e dominar uma galopante ansiedade. Durante estes dias, vinha-me à memória um livro que li e reli em criança: “
De Angola à Contra-Costa: Descripção de uma Viagem Atravez do Continente Africano” que descreve a travessia do continente africano, entre as costas de Angola e de Moçambique, realizada entre 1884 e 1885 pelos exploradores portugueses Hermenegildo Capello e Roberto Ivens, bem como relata o modo como eles descreviam as suas aventuras e angústias.
Por volta das 03:55 horas, no Centro de Transportes de Valença, deixo um beijo à minha mulher e entro no autocarro galego, com um aperto no coração, para seguir para o aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, onde me encontrarei com o amigo e coordenador deste trabalho de investigação, Fillipe Tamiozzo. Fillipe está a desenvolver uma investigação no âmbito do pós-doutoramento, na Universidade de Coimbra, pelo que saímos juntos de Portugal para atravessarmos o charco.
Com uma breve paragem em Lisboa, para trocarmos de avião, atravessámos o Atlântico, numa viagem de cerca de 09:30 horas de duração, com escala em São Paulo, para mudarmos de avião e seguirmos em voo interno até São Luís do Maranhão; a hora de chegada foi por volta da uma da madrugada. Aí pernoitámos, num hotel próximo do aeroporto. No dia seguinte, por volta das 08:00 horas da manhã, regressámos ao Aeroporto Internacional de São Luís - Marechal Hugo da Cunha Machado, para seguirmos para Imperatriz, no interior do Estado do Maranhão. No também conhecido como Aeroporto do Tirirical, pudemos degustar um café expresso com o sabor e intensidade que em Portugal tanto apreciamos e do qual já tínhamos saudade; a partir de então, corremos sempre os vários aeroportos, à procura de tão estimulante poção.
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Foto 1 - Um café expresso tão “nosso”, forte e intenso. |
Pouco antes de aterrarmos, avistava-se por entre as nuvens e sobre um vasto manto verde, o extenso e serpenteante rio Tocantins. Ao sair do avião, senti que tinha chegado ao interior do Maranhão, pela baforada de ar quente e húmido típico desta região. Nos poucos metros entre o aeroporto e a “
Localiza” (assim se denomina no Brasil o serviço de aluguer de carros) onde reservámos a viatura todo-terreno que nos permitiria deslocar-nos nas picadas da savana brasileira, deu para perceber o efeito das temperaturas e da humidade relativa tão elevadas. Em poucos minutos, fiquei encharcado de suor e só estava bem debaixo do ar condicionado do escritório do serviço de
rent-a-car.
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Foto 2 - Rio Tocantins, separando o Estado do Maranhão do Estado de Tocantins |
Dali saímos para a cidade de Imperatriz, cheios de ilusões, de ideias, de dúvidas e um oceano de questões, próprias de quem inicia um trabalho de investigação num território para ambos desconhecido. No caótico trânsito e no emaranhado de ruas que se confundiam, navegámos com a ajuda do GPS, indo ao encontro do colega José Augusto, da Universidade Federal do Maranhão, um jovem maranhense biólogo, conhecedor das plantas do Cerrado.
Chegados a um simples hotel no centro do reboliço da segunda maior cidade do Maranhão,com cerca de 258 mil habitantes, esperava-nos o amigo Coronel Paulo Barroso, do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso, cuja função nesta missão foi de integração do CBM de Imperatriz e no apoio à organização operacional das ações de segurança e queima.
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Foto 3 - Rua do Hotel, na cidade de Imperatriz, Maranhão |
Uma vez acomodados, saímos de imediato para almoçar e colocar em ordem a preparação dos dias que se seguiriam. Ainda era preciso adquirir algum material para identificação das plantas nas parcelas alvo de estudo, bem como levantar dinheiro, pois a próxima cidade não teria caixas multibanco compatíveis com os nossos bancos. A rua do hotel era confusamente movimentada, sem sarjetas, os efluentes drenavam no quente asfalto para evaporarem e exalarem todo o tipo de cheiros. Na variedade de espaços comerciais, entre açougues (talhos) com carne de sol à porta, casas de moda, de venda de celulares (telemóveis), destacavam-se inúmeras farmácias e, numa pequena praça ao final da rua, acomodavam-se os vendedores ambulantes que vendiam de tudo um pouco.
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Foto 4 - Carne de sol a secar na Rua do Hotel |
O dia fez-se muito curto para quem partira na madrugada do dia anterior, atravessando o Atlântico e parte do território brasileiro, para quem já de antemão sabia que os dias seguintes prometiam um esforço muito maior. Era o momento de aproveitar a noite para descansar, reduzir a temperatura do ar condicionado para 16 ºC e pulverizar-me com o mais forte repelente, de forma a evitar as tormentosas picadelas de mosquitos e melgas (muriçocas ou pernilongos, no Brasil).
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