A Origem do Grande Incêndio Florestal de Pedrógão Grande

Por: Emanuel de Oliveira Muito se tem falado e especulado sobre a origem da ignição e a propagação inicial do Grande Incêndio Florestal d...

Por: Emanuel de Oliveira

Muito se tem falado e especulado sobre a origem da ignição e a propagação inicial do Grande Incêndio Florestal de Pedrógão Grande. Uns procuram buscar respostas às inúmeras questões sobre o acontecido e, se de algum modo seria evitável o triste desfecho que vitimou mortalmente 64 pessoas e mais de duas centenas de feridos. Outros, porém, alimentados pelo mediatismo procuram fazer justiça na praça pública e inflamar a opinião dos cidadãos e, na maioria dos casos com um profundo desconhecimento do comportamento do fogo, em geral e, sobretudo sobre incêndios convectivos.

Aos olhos do analista, este incêndio tratou-se sem dúvida alguma de um incêndio inédito, dado o domínio de um comportamento convectivo, ou seja, um incêndio conduzido pelo estado fenológico e carga disponível do combustível, e associado a uma instabilidade atmosférica previsível que favorecia e sustentaria a coluna convectiva em caso de incêndio. Este tipo de incêndios, de comportamento extremo do fogo, origina consequentemente elevada complexidade nas operações de controlo e extinção. Não existem grandes receitas, a não ser a proteção de aglomerados. Por alguma razão, os analistas de incêndios americanos denominam de “Hungry Fires”, uma vez que terminam quando acabam com o combustível que os alimenta ou então a situação sinóptica muda e permite que os meios de combate possam exercer manobras eficazes e seguras.

Associado a este tipo de incêndio, ocorrem fenómenos meteorológicos que aumentam a complexidade do controlo, tais como a geração de ventos erráticos, normalmente soprando com intervalos de elevada intensidade e de direção variável. A coluna de fumo (pluma) rapidamente eleva-se verticalmente, sendo tridimensional e muito densa e escura, transportando material incandescente que não se apaga dada a temperatura dentro da coluna, permitindo o lançamento de projeções a longas distâncias e produzindo inúmeros focos secundários em várias direções no raio do incêndio.

ORIGEM PROVÁVEL

O Semanário Expresso de 23 de junho destaca a seguinte manchete «Daniel viu o fogo começar. Ligou para o 112 às 14h38. Tirou-lhe a primeira fotografia. “E não havia trovoada no ar”» e descreve o seguinte: «Daniel Saúde tirou a primeira fotografia ao incêndio 39 minutos depois de ligar para o 112. Diz que esteve uma semana à espera de ser contactado pela PJ - “afinal fui eu que liguei para o 112” - e que por isso vai ser ele agora a ligar à polícia. A história do momento zero do fogo em Pedrógão».

Fonte: http://www.weatherimagery.com
A partir daqui podemos começar a tentar explicar, fundamentando nos dados meteorológicos recolhidos.
Antes de mais importa referir que existem dois tipos de raios – raios negativos e raios positivos.
Normalmente, entre 90 a 95% dos raios são do tipo negativo.
Os raios negativos produzem-se quando a base da nuvem (parte mais escura) está carregada negativamente e a superfície do solo por baixo da nuvem tem uma carga positiva. Neste caso vai produzir-se uma descarga da base da nuvem para o solo.

Alguns raios – os positivos – formam-se no topo da nuvem, na parte branca do cúmulonimbos, onde se concentram as cargas positivas. Nesta situação ocorre uma transferência do topo da nuvem que alcança uma elevada altitude (14 kms) para o solo, sendo os mais perigosos uma vez que podem alcançar uma zona da superfície terrestre a longas distâncias do local da trovoada (10 - 16 kms) e, uma vez que a camada de atmosfera que atravessam é maior, a descarga elétrica pode ser até 10 vezes superior aos raios negativos. Igualmente, importa referir que o fenómeno de queda de raio sem se ouvir o trovão é definido como relâmpago térmico e ocorre com maior frequência no verão.

Fonte: http://teemss2.concord.org
Segundo a agência americana para a observação da atmosfera – NOAA – os raios positivos são considerados responsáveis por uma grande percentagem de incêndios florestais.
Logo, a afirmação de que não se ouviu qualquer trovão não significa que não tenha ocorrido uma descarga de raio positivo, pois a distância entre a trovoada e o local da descarga é de dezenas de quilómetros.

A imagem abaixo do Meteosat mostra a instabilidade às 14:00 UTC do dia 17 de junho, onde se pode verificar a formação de nuvens de evolução que dão origem a trovoadas na proximidade da zona do GIF de Pedrógão Grande.
Fonte: EUMETSAT
Considerando os registos meteorológicos do Meteosat referente à queda de raios, observamos que no dia 17 de junho de 2017, ocorreu precisamente na zona do incêndio, por volta das 1345 UTC, uma descarga de raio positivo. O horário registado pelo popular entrevistado pelo Semanário Expresso refere-se às 14:38, isto é 13:38 UTC +1, ou seja, muito próximo dos registos da agência EUMETSAT através do satélite Meteosat.
Fonte: https://www.lightningmaps.org

Fonte: https://www.lightningmaps.org

Sendo assim, a afirmação do Diretor da Polícia Judiciária com base em evidências físicas encontra-se bem fundamentada: «“A PJ, em perfeita articulação com a GNR, conseguiu determinar a origem do incêndio e tudo aponta muito claramente para que sejam causas naturais. Inclusivamente encontrámos a árvore que foi atingida por um raio”, disse Almeida Rodrigues.». Sendo um raio positivo, muito provavelmente não se tenha ouvido o trovão dada a distância à nuvem.

HORA DO ALERTA

Igualmente, segundo fontes oficiais e já divulgadas nos media pela ANPC, o Alerta foi dado às 14:43 (13:43 UTC +1), um tempo muito aproximado ao referido na informação relatada na referida notícia. Se observarmos os dados do sensor VIIRS a bordo do satélite Suomi-National Polar-orbiting Partnership (S-NPP), o qual permite a deteção de focos ativos a 375 metros de resolução espacial, este detetou às 13:42 UTC do dia 17 de junho um foco ativo muito próximo do local do ponto provável de início do incêndio.

Dado o estado fenológico e a disponibilidade de combustível, bem como as condições meteorológicas nesse período, o fogo facilmente se propagou, alcançando uma elevada intensidade e alta velocidade de propagação. Pelo que foi possível em poucos minutos ser detetado pelo sensor VIIRS. Importa referir que o desvio mais a norte do local do início provável de incêndio deve-se ao calor emanado na cabeça do incêndio e da própria coluna de fumo.

Considerando os dados de registos espaciais, estes permitem fundamentar as declarações das entidades oficiais, pelo que existem fortes evidências para a «tese meteorológica». 

COMMENTS

BLOGGER: 18
  1. É interessante como de repente se imputam as causas e responsabilidades a uma origem em locus de controle externo, ou foi a trovoada ou algo inexplicável. Nunca antes ouvi alguém fazer referência a causas naturais nos incêndios, e agora, não sei por que carga de água, é só gurus da "trovoada seca". Por falar em carga de água, eu na minha vida, nunca assisti a trovoada sem ser seguida de queda de chuva. Mas até dou o benefício da dúvida. E este tipo de justificação e paradigma são proporcionais com o crescendo (até agora), nas sondagens do partido que nos governa. Claro que não convém alegar os suspeitos do costume.

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  2. Muito útil, obrigado. Também já tinha visto o fogo activo na imagem VIIRS, muito próximo no espaço e no tempo. A imagem VIIRS captada 12h mais tarde mostra uma enorme expansão do fogo, sobretudo para Oeste, mas de forma que não é bem contínua no espaço com a localização do 1º fogo activo. Isto pode sugerir a ocorrência de múltiplos focos de ignição, dos quais só um terá sido detectado pela imagem VIIRS do início da tarde. JM Cardoso Pereira

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  3. Gostei francamente da explicação que do ponto de vista do apoio documental torna a peça informativa muito plausível.
    Pessoalmente agradeço ao autor a explicação e à minha KUMADREKaPikena o engodo para a leitura da peça.Bejos, mas ´so para a KUMADREKaPIkena.

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  4. Sem conhecimentos aceitáveis sobre o assunto, mas como fui bombeiro 37 anos (chefe) e a pratica do serviço levou-me a concluir que a apresentação deste artigo, tem todo o meu apreço.

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  5. Li com atenção este artigo na íntegra e curiosamente salta à vista um aspecto que não é nada comum no Facebook, a saber, o quase perfeito "português" com uma pontuação impecável. Não sei se esta redacção é da autoria desse tal Senhor Emanuel Oliveira, mas está muito bem escrita, à parte de uma coisita aqui e ali, tal como <<... não se ouviu>> em vez de "não se tenha ouvido". Não está errado, mas o que sugiro seria o mais correcto. Em seguida, realce-se um outro aspecto, que é o técnico. As explicações aqui dadas são de certo modo pomposas e querem-se relevantes e convincentes, continuando na linha de nunca se apontar um ou uns culpados, portanto eles existem. É-me dado compreender também que, de certo modo, este artigo tende a escusar a PJ., o que desde já me parece uma tomada de posição precipitada tanto mais que a origem natural do fogo não está totalmente esclarecida e muito menos, reconhecida. Não se estará porventura a camuflar um ou uns criminosos? Eu, ainda que reconheça as capacidades da PJ, tendo para a hipótese de fogo posto. Por outro lado há que realçar o facto da existência das insinuações por parte do presidente da Câmara de Pedrogão Grande que vão precisamente nesse sentido, contrastando com a posição crédula e fácil da PJ.
    Uma coisa é certa. Estes fenómenos repetem-se ano após ano, sem que tenhamos governantes à altura para os resolverem. Para quê, vir com "paninhos de água quente" desculpar os responsáveis políticos? Há que os responsabilizar sem a menor exitação. Os verdadeiros criminosos são eles, esses engravatados de merda que estão vaidosamente instalados nos ministérios e que nunca aprendem a lição de vez, mas que sabem, isso sim, receber o "sujo e ensanguentado" salário no final do mês. Como se pode compreender, que num país pequeno como é Portugal, haja tanta burocracia, tanta "mariquice"? Por exemplo, focando o caso dos tais 10 metros, sem arvoredos de ambos os lados da estrada (que para mim me parecem insuficientes, dadas as altíssimas temperaturas que reinam entre ambos os lados de uma estrada nessas condições), como se pode compreender que "a" tenha de pedir a "b" para em seguida este transmitir a "c", que por sua vez informa "d", se este autoriza "c" a informar "b" que por sua vez informa "a", que pode avançar e isto se houver acordo de todos. Entretanto, passaram-se semanas, meses, quiçá anos, para que qualquer trabalho vá por diante. Isto é vergonhoso e escandaloso.
    Portanto, culpados, há-os efectivamente, ainda que indirectamente, que deveriam ser responsabilizados, mas que nunca o serão porque infelizmente em Portugal ainda existe o tráfego de influências no seio das altas esferas políticas que continua a funcionar em pleno (veja-se o caso desse tal bandido, Ricardo Salgado, que se fartou de roubar e que nada lhe sucedeu e nem sequer é imaginável que um dia vá parar à prisão). A justiça em Portugal só funciona para quem rouba galinhas, contrastando com a americana, que não está coagida nem tem problemas nenhuns em apontar quem quer que seja, como culpado por tal ou tal acto. Lembram-se do que sucedeu a esse tal Madoff e recentemente ao então director do FMI, o francês Dominique Gaston André Strauss-Kahn?
    Haveria da minha parte, certamente muita coisa por dizer, mas por ora, quedo-me por aqui.
    JMR

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    Respostas
    1. Concordo em absoluto ..... já estão a tratar da fuga para a frente !!!!

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  6. OK, mas jà là vào 30 anos que se plantam eucaliptos sem se preocupar com o degrau de incandescimento muito mais elevado que qualquer outra àrvore

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  7. Gostei do seu artigo, no entanto aquele ponto (Raio), é a este de Oleiros, ver site do Meteogaliza. Não existem raios naquela hora. um trovão houve-se sempre, mesmo que o mesmo venha de longe, no entanto os locais referem que a trovoada começou mais tarde, conforme os registos do meteogaliza. (infelismente o Ipma retirou do site a possibilidade de consultar os dados de raios mais antigos. )

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  8. Embora o primeiro parágrafo denote uma conotação política, certamente partidária, e me pareça irrelevante a sua origem face ao desastre que foi a gestão do seu combate, os mapas no IPMA, prontamente retirados após as declarações da PJ mostram claramente que não houve descargas aquela hora naquele local. Fica aqui no link abaixo.


    https://pt.scribd.com/document/351878570/IPMA

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  9. Não vale a pena enviar-vos comentários porque vocês não os publicam. Política partidária, a quanto obrigas!!!

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  10. Esta explicação impecável e instrutiva é realmente muito boa, embora não interesse a alguns que só querem atirar as culpas para cima do governo. Gostei muito deste artigo e dou os parabéns ao autor. Quem expõe as coisas desta maneira, sabe bem do que está a falar. Parabéns.

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  11. Muito esclarecedor, obrigado. Desconhecia e quem não sabe é como quem não vê.

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  12. Agradeço desde já ter censurado o meu comentário. OBG

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  13. Não houve raio, veja as fotos no meteogaliza na zona não exitiam nenhuma nuvem ás 15.00h

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  14. Finalmente alguém diz alguma coisa "de jeito"

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  15. Não tendo conhecimentos técnicos para discordar entendo dever aceitar como boa a explicação técnica aqui descrita posto que cobre inteiramente as declarações que em estado de choque algumas das vítimas proferiram quando entrevistadas pela comunicação social.
    Obrigado André. E um muito obrigado ao Emanuel Oliveira que presumo seja um entendido no assunto.

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  16. Excelente análise e esclarecimento. Parabéns!!

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  17. Ortega y Gasset escreveu um dia que a massa, quando não entende a arte, escoiceia. Não só a arte, digo eu. A massa, quando não entende a informação, também escoiceia. O autor limita-se a apresentar explicações sobre a possibilidade de o incêndio ter sido desencadeado por um raio, mas algus "críticos", obviamente nescientes, transpuseram o foco da explicação para o domínio das responsabilidades políticas na prevenção de incêndios florestais. Sobre a "autoridade", credibilidade" e nível das críticas, veja-se o primeiro comentário, cujo autor «nunca antes» ouviu fazer referência a «causas naturais nos incêndios». Provavelmente, é surdo. Afirma ele: «na minha vida, nunca assisti a trovoada sem ser seguida de queda de chuva». Provavelmente, é cego. Associa, depois, esta explicação aos resultados das sondagens. Provavelmente, falta-lhe alguma faculdade que não me atrevo a sugerir. Outro crítico começa, de modo pouco elegante, por denominar de "redacção" uma análise científica clara e bem fundamentada e sugere, à revelia da inteligência, que ela não é da autoria de quem a assina. Este comentador atreve-se a aludir à qualidade do português do autor, mas comete vários e básicos erros de português ao longo do seu comentário. A título de exemplo: «continuando na linha de nunca se apontar um ou uns culpados, portanto eles existem». Aqui, portanto é uma má tradução do francês "et pourtant", que se traduz por "no entanto". Mais adiante escreve: «Há que os responsabilizar sem a menor exitação». A palavra correcta é "hesitação". Outro crítico diz que «um trovão houve-se sempre». A verdade é que nem sempre há trovões, pelo que nem sempre se OUVE um trovão. Pessoalmente, agradeço ao autor do post a sua opinião fundamentada e científica. É uma opinião respeitável, que qualquer cidadão interessado e inteligente pode comparar com outras opiniões, de modo a chegar a uma síntese que o satisfaça.

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Fogos Florestais: A Origem do Grande Incêndio Florestal de Pedrógão Grande
A Origem do Grande Incêndio Florestal de Pedrógão Grande
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