Uma Visão dos Incêndios Florestais e do Dispositivo de Extinção no Alto Minho

Por: Emanuel Oliveira Para entendermos melhor a problemática dos incêndios florestais no Alto Minho há que perceber que o território ocu...

Por: Emanuel Oliveira

Para entendermos melhor a problemática dos incêndios florestais no Alto Minho há que perceber que o território ocupa cerca de 221 884,2 hectares, distribuídos por 10 municípios. O espaço florestal ocupa cerca 57% deste território e este caracteriza-se pelo seu relevo montanhoso e recortado, marcadamente definido pelos vales dos rios Minho e Lima, bem como pelos pequenos vales dos seus afluentes que associados a outras variáveis físicas e de ocupação do solo são determinantes nos diversos tipos de comportamento dos incêndios florestais que percorrem esta região.
Par além das condições físicas existem também condições sociais que influenciam a ocorrência de incêndios, tais como o regime de propriedade, distribuído basicamente por propriedade comunitária (maioritariamente em co-gestão com Estado) e privada (minifundiário). Cerca de 57,3% do espaço florestal é comunitário com usos de produção florestal, pastorícia e produção pecuária extensiva e cinegética.
Foto 1 - GIF de Vila Nova de Cerveira, 08 de Agosto de 2015 (Pedro Barros)
O Alto Minho é um território de fronteira com o sul da Galiza. Ambos territórios partilham uma situação muito característica (para além da semelhança das condições físicas e ambientais) e transversalmente comum dos povos do noroeste peninsular ibérico – é um dos territórios com maior número de ocorrências/ignições e área ardida da Europa Ocidental – onde também o uso tradicional do fogo segue a ser a principal ferramenta de uma população rural muito dispersa sobre o território. Este uso tradicional parece basear-se em dois aspectos fundamentais que caracterizavam o território:

  1. O primeiro aspecto é puramente socioeconómico, pois a grande maioria da população assentava-se em comunidades rurais altamente dependentes do espaço para o desenvolvimento das suas atividade económicas interconectadas relacionadas com a agricultura, a floresta e o pastoreio.
  2. O segundo aspecto é ambiental. O clima que caracteriza esta região atlântica, com longos períodos de chuva e temperaturas médias sem valores extremos, a alta insolação, conduz a um elevado crescimento vegetativo e as espécies adaptadas apresentam um alto potencial regenerativo pós-fogo, encontrando-se estabilizadas em 3 a 4 anos e apresentando uma carga de combustível elevada. Esta situação de clima normalmente húmido e a necessidade de controlar a elevada carga de combustível, favoreceu o uso do fogo como ferramenta principal do trabalho rural com uma elevada margem de segurança por parte das populações, principalmente das comunidades de montanha.

O fogo esteve sempre presente nas nossas paisagens, mas as mudanças das últimas décadas para uma sociedade tecnológica mais informada e em princípio mais preparada perante os riscos, não parece dar resposta ao novo paradigma que constituem os Grandes Incêndios Florestais.

As mudanças sofridas no meio rural, o abandono das atividades tradicionais como a agricultura, a silvicultura e o pastoreio e o envelhecimento das populações e o despovoamento das zonas rurais têm conduzido a um espetacular incremento do índice de assilvestramento (rewild) desses espaços. Por outro lado, a crescente concentração da população em áreas urbanas não obedeceu às atuais exigências ao nível do ordenamento do território e do urbanismo face aos riscos e cenários potenciais, incrementados pelas mudanças climáticas cada vez mais presentes e com episódios de carácter extremo. O ordenamento desde o ponto de vista urbanístico assim como a citada informação e difusão do risco não convertem o espaço mais resistente frente aos grandes incêndios florestais, cada vez mais complexos.

Quando falamos de incêndios florestais no Alto Minho assim como no resto do território do noroeste ibérico, não falamos de um risco puramente natural mas de um risco antropogénico. Se por um lado assistimos a estas mudanças que permitem um aumento da carga de combustível, por outro lado mantem-se um uso do fogo pouco “tradicional”, tendo em conta que não acompanha o risco meteorológico e espacial e, praticado por uma população cada vez mais urbana que não domina o conhecimento empírico e geracional do fogo.

Por outro lado, convém salientar que em Portugal o dispositivo de extinção de incêndios florestais e restantes ações de emergência baseia-se na disponibilidade e existência de meios humanos de carácter voluntário. O grande peso da ação dos bombeiros voluntários no ataque inicial até à direção da extinção dos incêndios florestais merece uma análise para que se possa entender que os fluxos da população também vão influenciar no número de bombeiros voluntários presentes no território, assim como na capacidade de resposta nesta emergência. Todavia, salienta-se a existência de unidades profissionais, porém em número muito escasso, pouco mais de 150 elementos distribuídos por Bombeiros Profissionais, Sapadores Florestais, equipas helitrasnportadas do Grupo de Intervenção, Protecção e Socorro da Guarda Nacional Republicana e, sazonalmente, a equipa da Força Especial de Bombeiros.
Mapa 1 - Distribuição das Unidades de Extinção de Incêndios Florestais no Alto Minho
O número de bombeiros reduziu notoriamente entre 2001 e 2013, cerca de 65%. Porém convém salientar que os anos 2014 e 2015 também registaram uma redução, resultante da emigração. Tal situação e cujo dispositivo de combate aos incêndios baseado na disponibilidade dos meios humanos concentrada no verão e a dilatação de um período de incêndios que tende a prolongar-se por quase todo o ano, obriga à aplicação de medidas preventivas a uma escala temporal e espacial mais adequada e adaptada ao conjunto mudanças.
Assim assistimos a uma redução do número de bombeiros, com a agravante de se manter elevado o número de ocorrências/ignições.
Quadro 1 - Evolução do Número de Bombeiros Voluntários por Município no Alto Minho entre 2001 e 2013. Fonte Oficial: Instituto Nacional de Estatística
Os gráficos seguintes procuram demonstrar por classes de extensão dos incêndios, a concentração da área ardida e do número de ocorrências/ignições no período entre 2001 e 2014 registados no Alto Minho, segundo dados oficiais do ICNF. Verifica-se que a concentração de ocorrência e de área ardida ao longo desse período centra-se sobretudo nos meses de junho, julho, agosto e setembro.
Gráfico 1 - Distribuição do Nº de Ocorrências/Ignições acumulado por Mês e por Classe. Alto Minho 2001-2014
Comparando os gráficos da distribuição da área ardida e do número de ocorrências, constata-se que o número de ocorrências das classes com menos de 1 hectare e entre 1 e 10 hectares aumenta gradualmente para disparar naqueles meses, verificando-se este espetacular aumento e atingirem o seu máximo semanas antes de ocorrerem os GIF’s das classes de 100 a 500 hectares e superiores a 500 hectares, onde se alcança o máximo de área ardida. Cerca de 34,5% das ocorrências/ignições dão-se fora do chamado período crítico e corresponde a 18,1% da área ardida. Um dado importante é que durante o período crítico o número de ocorrências das classes com menos de 1 hectare e entre 1 e 10 hectares corresponde a cerca de 62,9% do total das ocorrências nestes 4 meses e apenas 0,6% correspondem a GIF’s ocorridos naquele período e que são responsáveis por cerca de 59% da área ardida (96 114 hectares acumulados entre junho e setembro). 
Gráfico 2 - Distribuição da Área Ardida acumulada pr Mês e por Classe. Alto Minho 2001-2014
A simultaneidade das ignições, assim como de grandes incêndios florestais levam ao colapso do dispositivo de extinção do distrito e à exaustão e falta de rendimento dos meios humanos envolvidos em primeiras intervenções, combate e posterior ação de rescaldo. Tal situação obriga a concentrar os meios em zonas habitacionais enquanto o fogo se propaga no espaço florestal e as manobras de extinção apoiam-se em caminhos e estradas e, justificadamente, sustentadas em manobras quase exclusivamente baseadas no uso de água, dado o cansaço. Com este cenário os GIF’s podem durar mais de 24 horas a vários dias, como se verificou em 2005, 2006, 2010 e recentemente em 2015.

O excessivo número de ocorrências/ignições concentrado num curto período leva a um elevado desgaste de qualquer dispositivo de extinção.

Mais Informação:

Oliveira, Emanuel; 2015. "La Prevención a la Escala del Paisaje para hacer frente a los Grandes Incendios Forestales. Análisis en el Alto Minho. Portugal"; Universidad Politécnica de Madrid 

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