Análise às Recomendações da Assembleia da República ao Governo – Prevenção de Incêndios

Por: Emanuel Oliveira No passado dia 12 de Junho de 2014 foi publicada em Diário da República a Resolução da Assembleia da República n.º...

Por: Emanuel Oliveira

No passado dia 12 de Junho de 2014 foi publicada em Diário da República a Resolução da Assembleia da República n.º 51/2014 que recomenda ao Governo a adoção de medidas com vista a assegurar maior eficácia no âmbito da prevenção e combate aos fogos florestais. Apesar de se encontrar um pouco fora de prazo no que respeita à prevenção, sempre permitirá operacionalizar algumas das recomendações após a campanha de incêndios em que nos encontramos.

E é precisamente nas recomendações ao nível das medidas de prevenção que hoje nos iremos focar, destacando as principais e tendo em consideração a sua importância no que respeita à operacionalidade, permitindo a execução de diversas medidas e ações logo após este verão que promete ser difícil.
Antes de comentar, destacam-se as principais recomendações em matéria de prevenção referenciadas na dita Resolução:

1 — RECOMENDAÇÕES GERAIS:
1.2 — Rever o edifício legislativo florestal e a sua relação com a proteção civil, mantendo a necessária coerência e fazendo evoluir o atual modelo existente;
1.3 — Garantir a estabilidade orgânica da autoridade nacional florestal, de forma a manter a consistência e a continuidade das competências do Estado na defesa da floresta contra os incêndios, bem como a assegurar previsibilidade na relação com os diferentes agentes do setor florestal;
1.4 — Garantir os fundos públicos (do Orçamento do Estado e de fundos comunitários) para a execução das políticas de prevenção, reforçando o Fundo Florestal Permanente;

2 — RECOMENDAÇÕES LEGISLATIVAS:
2.1 — Concentrar numa única entidade a coordenação operacional de prevenção e de combate aos incêndios florestais, mantendo o planeamento na responsabilidade das entidades que atualmente a detêm;
2.5 — Adaptar a legislação e a regulamentação da utilização do fogo técnico, ao nível: i) Da prevenção (fogo controlado) através da criação de um programa nacional de gestão de combustível;
3.8 — Incentivar modelos de planeamento, de execução e de gestão da prevenção intermunicipal com a sua necessária monitorização por parte do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., (ICNF, I.P.), avaliando -se o custo -benefício dos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra os Incêndios (PMDFCI), com vista à sua simplificação, priorizando -se as ações de prevenção antecipadamente estabelecidas;
3.9 — Identificar o responsável pela execução e manutenção da rede primária da faixa de gestão de combustíveis, assumindo o Estado a sua efetiva coordenação e a sua execução subsidiária, prevendo -se a possibilidade de o seu financiamento ter lugar através de fundos comunitários, nomeadamente os fundos de coesão;
3.10 — Reforçar o programa de sapadores florestais, através de: i) Atingir os objetivos previstos no PNDFCI; ii) Reequipar as equipas mais antigas; iii) Definir o conceito de serviço público que as equipas prestam e retomar a sua formação em articulação com o ICNF, I.P., privilegiando exercícios de ações de apoio ao combate aos incêndios florestais;
3.11 — Aumentar e profissionalizar as equipas GAUF (Grupos de Análise e Uso do Fogo), em função da necessidade de melhorar o ritmo de execução e manutenção da rede primária e de apoiar a estratégia de combate indireto aos fogos florestais;
3.13 — Criar um programa nacional de autoproteção e construção de comunidades resilientes a catástrofes, de iniciativa interministerial, envolvendo autarquias, organizações florestais e populações.

COMENTÁRIO ÀS RECOMENDAÇÕES EM MATÉRIA DE PREVENÇÃO:


Sem sombra de dúvida é necessário proceder à alteração do quadro legislativo em matéria de defesa da floresta contra incêndios, procurando uma melhor articulação com a legislação em matéria de protecção civil. No entender da larga maioria dos técnicos com competências na DFCI (Defesa da Floresta Contra Incêndios), o quadro legislativo deveria assemelhar-se ao praticado nos demais países da Europa ou em outros países como Canadá, EUA e entre outras nações, onde a prevenção e o combate de incêndios florestais encontram-se agrupados no organismo com competências florestais.
Em Portugal, as competências do combate transferiram-se no início da década de 80 do século XX para o então Serviço Nacional de Bombeiros, cortando-se a relação e o conhecimento acumulado de mais de um século que os combatentes florestais detinham. O corte foi de tal modo abrupto que até hoje não foi possível nivelar, mesmo com a reintrodução (positiva) de novos elementos profissionais como sapadores florestais, GIPS-GNR e a Força Especial de Bombeiros, na tentativa de preencher uma lacuna que parece ter-se agigantado com o passar dos anos e com o conformismo dos sucessivos governos.


Agora chegou a vez da prevenção, no entanto a recomendação não é clara no que se refere à agregação das competências de prevenção e combate em matéria florestal, isto é, serão agrupadas no ICNF ou na ANPC? Se a opção for a primeira, então será devolver a competência a quem gere o património florestal e indiscutivelmente tem um profundo e secular know-how e assim uniformizar-se com as entidades homólogas dos demais estados já referenciados. Pelo contrário, se a opção for a segunda, algo que tem sido reclamado por alguns elementos conotados àquela estrutura, afasta-se do modelo da maioria dos países e cujos resultados, com mais de 30 anos de experiência têm-se afastado dos objetivos desejáveis e inicialmente delineados e até estabelecidos na Estratégia Nacional Florestal publicada em 2006.

Por outro lado, o Fundo Florestal Permanente (FFP) obriga a uma futura reestruturação, com vista a uma maior intervenção em matéria de prevenção estrutural e na constituição de mais equipas profissionais – sapadores florestais, bem como no seu reequipamento com as condições e normas exigidas internacionalmente em matéria de segurança. O FFP não pode ser gasto em áreas que não sejam a prevenção, contudo num passado recente vimos que este fundo já financiou o combate a incêndios mediante a requisição de meios aéreos (como ocorreu em 2011).


É importante recordar e destacar que o FFP tem como objetivo fundamental a aplicação e execução de medidas de prevenção estrutural e o financiamento de equipas de sapadores florestais. O reequipamento das equipas com EPI’s modernos e que cumpram as normas e diretrizes internacionais é essencial. Salienta-se que no passado ano, as equipas de sapadores florestais, ficaram de fora do programa de financiamento que permitiu a aquisição de EPI’s para os bombeiros voluntários. Este financiamento foi parcialmente suportado pelos Municípios, muitos dos quais têm protocolos para o apoio ao funcionamento de equipas de sapadores florestais a as quais, contra a vontade dos autarcas, não foram abrangidas pelo programa promovido pelo MAI.

No âmbito da prevenção salienta-se a obrigatoriedade e a necessidade de planificação e execução da Rede Primária de Faixas de Gestão de Combustível. Esta rede apenas faz sentido tendo em consideração os seguintes critérios:

  1. Uma planificação e execução de âmbito intermunicipal sob a supervisão do ICNF. 
  2. A obrigatoriedade da manutenção futura da Rede Primária, a qual dependerá em grande medida dos municípios.
  3. A eficiência da Rede com base na criteriosa localização (dependente de vários factores) e na sua complementaridade com a criação de Pontos Estratégicos de Gestão visando a anulação de determinados pontos multiplicadores da propagação de um incêndio.
  4. Neste âmbito, face às necessidades de manutenção e considerando o custo de investimento, é fundamental que os municípios se agreguem de forma a partilhar esses custos, bem como implica a preparação de equipas (intermunicipais) que correspondam às reais necessidades de cada território

Incêndio numa Zona de Interface Urbano-Florestal.
Fonte: 
http://osfm.fire.ca.gov/
Relativamente à execução e manutenção da Rede Primária com o recurso ao Fogo Controlado, entende-se a necessidade de criação de equipas territoriais recorrendo aos recursos existentes. Lembro, a título de exemplo que, no Alto Minho existem 17 técnicos formados e credenciados no uso do Fogo Controlado e cerca de 125 elementos pertencentes a equipas de Sapadores Florestais e 35 elementos da equipa GIPS-GNR, o que perfazem na totalidade cerca de 180 profissionais capacitados e disponíveis durante todo o ano para a gestão de combustíveis com o recurso ao fogo técnico. A experiência com o Programa GeFoCo e com a aquisição de serviços externos por parte do Estado demonstrou que o custo não correspondeu aos resultados esperados, ficando muito aquém dos objetivos previamente estabelecidos.
A criação de um programa nacional de autoproteção deverá inicialmente incidir nas Zonas de Interface Urbano-Florestal, quer ao nível da prevenção estrutural quer ao nível da formação dos residentes em técnicas de autodefesa (por ex.º: evacuar ou confinar?) nos territórios de risco.
Não podemos mais assistir a imagens televisivas que testemunham a ação de cidadãos a proteger das chamas os seus bens em tronco nu e calções, ou vermos casas em espaços florestais rodeadas por densas sebes de tuias e ciprestes.
O território rural sofreu uma alteração no uso e ocupação do solo e gradualmente tem sido um destino para uma segunda habitação de uma população cada vez mais “urbanita”, pouco acostumada com o modo de vida rural para além da sua propriedade e que desconhece o alto risco dos incêndios florestais. Neste contexto é fundamental formar uma nova geração de habitantes dos territórios rurais e de zonas de interface urbano-florestal.

O mais importante ainda é que as recomendações não fiquem no papel!

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