Reflexão II sobre as Faixas de Gestão de Combustível nas Edificações e Aglomerados Populacionais

Elaborado por: Emanuel Oliveira Como já foi referido no artigo anterior, muitas são as dúvidas e controvérsias que marcam o início de um...

Elaborado por: Emanuel Oliveira


Como já foi referido no artigo anterior, muitas são as dúvidas e controvérsias que marcam o início de uma Campanha de Prevenção de Incêndios, promovida pelo MAI, que se deseja exequível, operacional e eficiente.

O próprio sloganPortugal Sem Fogos” está algo desfasado da atualidade, quando existe em simultâneo a promoção do Programa Nacional de Fogo Controlado promovido pelo Governo e que visa a gestão de combustível com recurso ao fogo controlado. O slogan deveria de aludir a um “Portugal Sem Incêndios
Gestão de combustíveis num aglomerado com recurso a fogo controlado. Fonte: desconhecida
Afastando-nos destas questões técnicas mais específicas, devemos debruçar-nos novamente nas faixas de gestão de combustível ao redor dos aglomerados e das edificações, visto que se levantam inúmeras questões devido ao enfoque e abordagem da Campanha, principalmente na sua aplicação no terreno e na sua eficácia. Muitos proprietários estão a cortar tudo, inclusive espécies protegidas, como o sobreiro, a azinheira, bem como árvores frutais.
O ponto que levanta maior controvérsia é aplicação da alínea a) do ponto I do Decreto-Lei nº 10/2018 de 14 de fevereiro:

«a) No estrato arbóreo a distância entre as copas das árvores deve ser no mínimo de 10 m nos povoamentos de pinheiro bravo e eucalipto, devendo estar desramadas em 50 % da sua altura até que esta atinja os 8 m, altura a partir da qual a desramação deve alcançar no mínimo 4 m acima do solo;»
Edificado em espaço rural. Fonte: Jornal de Leiria
Na verdade, o pinheiro-bravo e o eucalipto são as espécies mais abundantes dos nossos povoamentos florestais produtivos, principalmente em monocultura, mas estas não constituem o modelo de combustível mais perigoso junto aos aglomerados e edificações. Normalmente, povoamentos produtivos geridos apresentam cargas de combustível muito menores quando comparados com modelos do grupo matos ou povoamentos regenerados sem gestão ou de reduzida gestão.
Por outro lado, quanto maior for a abertura de clareiras pela redução da densidade de copas, maior será a dificuldade de manutenção da faixa de gestão, onde passarão a dominar as herbáceas e os arbustos, os quais antes se encontravam limitados pelas sombras mais densas. No que respeita ao eucalipto, cuja copa está muito mais alta que o pinheiro e normalmente mais densa, dificilmente existe uma passagem para fogo de copas (no pinheiro é muito mais propensa). A abertura de clareiras poderá aumentar o risco de propagação por combustíveis de escada. Igualmente, o cumprimento à risca e cego destes critérios na faixa da rede vária, pela abertura de maiores clareiras, incrementará o risco de ignição devido a um aumento do combustível fino (que seca mais rápido) e a um aumento da velocidade de propagação dos incêndios, com um comportamento de fogo semelhante ao verificado nas faixas da rede elétrica em zonas de matos.
Faixa de gestão de combustível num aglomerado. Fonte: E. Oliveira, 2017
Recordo que a execução eficiente (custo vs benefício) das faixas de gestão de combustível deveria obedecer a um rigoroso trabalho de planeamento em complementaridade com outras ações orientadas à propagação de Grandes Incêndios Florestais, segundo o período de retorno (dos GIF’s), área ardida do último incêndio, média do número de ignições e causalidade e modelos de combustível. Igualmente, deveriam ser identificados nos aglomerados pontos de risco, tais como acumulação de combustível (lenhas, depósitos de gás e de gasóleo, fardos para alimentação do gado, etc) edificações em zonas de propagação de incêndios recorrentes, construções ilegais e/ou irregulares ou em zonas classificadas de perigosidade alta e muito alta e edificações isoladas em espaço florestal. Como já referi no artigo anterior, estas faixas não evitarão que as edificações sejam atingidas, quando a larga maioria das edificações afetadas em 2017 foi por efeito de projeções e não por impacto das chamas.

Esta opinião é meramente técnica e, vai ao encontro do identificado e descrito no Estudo “O GIF de Pedrógão Grande e concelhos limítrofes (2017)”, encomendado pelo Governo à equipa do CEIF-ADAI: «sobre as condições de ocorrência, início e propagação do incêndio, com particular enfase no estudo da sua propagação e na análise dos acidentes mortais, com o objetivo de suportar a tomada de decisões por parte das autoridades para se retirarem ensinamentos e se melhorar o sistema para o futuro». Sendo assim, destaco alguns factos bem detalhados pela equipa dirigida pelo Prof. Xavier Viegas:
Tipo de estrutura danificada por concelho.
Fonte: CEIF-ADAI; "O GIF de Pedrógão Grande e concelhos limítrofes (2017)"; pag. 170
«Apenas cerca 13% eram usadas como primeira habitação (130), sendo a maioria delas no concelho de Pedrógão Grande. Como habitação secundária identificámos 124 estruturas atingidas (11,9%). As estruturas mais danificadas foram sobretudo estruturas de apoio como barracões e arrumos (38,6%).» (pag. 170)
Grau de afetação em função do tipo de ignição da estrutura.
Fonte: CEIF-ADAI; "O GIF de Pedrógão Grande e concelhos limítrofes (2017)"; pag. 181
«Cerca de 61% das estruturas que foram danificadas pela passagem do incêndio foram-no devido à projeção de partículas incandescentes (fagulhas) oriundas do incêndio. Esta observação confirma o que foi dito anteriormente acerca destes mecanismos de ignição. As categorias “materiais a arder na imediação” e “estrutura contígua” podiam ainda acrescentar a este número, pois observámos que, na maioria dos casos, estes materiais e estas estruturas contíguas se incendiaram também por partículas. No entanto, a causa de ignição não foi diretamente a fagulha, mas sim o material que essa fagulha incendiou, que por sua vez fez incendiar a estrutura analisada. O impacto direto do fogo nas estruturas representou 21,3% do total.» (pag. 181)

Opção tomada perante o incêndio.
Fonte: CEIF-ADAI; "O GIF de Pedrógão Grande e concelhos limítrofes (2017)"; pag. 192
«Os dados obtidos comprovam que o desfecho foi muito pior no caso em que as pessoas tentaram fugir do incêndio. No total das seis aldeias, 97,6% das vítimas, correspondente a 41 pessoas, morreram ao tentar fugir de casa. Apenas uma (2,4%) morreu em casa, com as dificuldades já abordadas. Na realidade, no total das vítimas relacionadas com este incêndio, morreram mais 3 pessoas dentro de casa, conforme descrito no capítulo dos acidentes. Também elas tinham condicionantes à sua mobilidade e destreza.» (pag.192)

Neste sentido, resta-nos adequar a legislação e consequentemente a aplicação de medidas de prevenção e de resposta, de acordo com os estudos técnicos e relatórios elaborados, pois a partir destes documentos devemos de retirar lições que por sua vez, devem estar aprendidas, para que quadros semelhantes não voltem a repetir-se no nosso país num futuro próximo. Reitero, as faixas de gestão de combustível e estas regras não são solução para um problema que se agrava, fruto da desruralização e da renaturalização/assilvestramento.

COMMENTS

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  1. Tens toda a razão, Emanuel! É urgente e mais que evidente a necessidade de adequar a legislação ao conhecimento que existe sobre o comportamento do fogo e a realidade do efeito dos combustíveis (modelos) nesse mesmo comportamento. Trata-se de tornar eficiente o enorme esforço que se irá fazer na gestão dos combustíveis.

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