Análise aos Grandes Incêndios Florestais - Pedem-se “Cabeças” e não Mudanças

Por: Emanuel de Oliveira Desde o Grande Incêndio de Pedrógão Grande temos assistido através de vários intervenientes nos media para um se...

Por: Emanuel de Oliveira

Desde o Grande Incêndio de Pedrógão Grande temos assistido através de vários intervenientes nos media para um sem fim de julgamentos públicos e de pedidos de “cabeças” e lançar suspeições sobre tudo e sobre todos, inclusive culpabilizar o eucalipto, o vento, o SIRESP, o raio, etc. Ao analisarmos esta posição e atitude logo ao início de uma campanha de incêndios se denota, por um lado, uma vontade precipitada envolvida em algum perigoso oportunismo, de julgar quem assume a difícil responsabilidade nos mais diversos patamares do sistema de resposta à emergência. No entanto, tais julgamentos públicos e apontar de dedos mais contribuem para a descredibilização do sistema e de todos os organismos e operacionais que o compõem e, colocam em causa a resposta pela desconfiança, pela desmotivação e perda de autoridade necessária em momentos tão críticos, principalmente em início de uma campanha que já se previa que seria muito difícil.
Foto 1 - Os jornais testemunham o "ambiente político" de fogo no início da campanha de incêndios
Fonte: Sapo24 de 29 de julho de 2017
Para agravar o conjunto de condições naturais que favorecem os grandes incêndios estão os comportamentos humanos e um clima de desconfiança nas autoridades e nas demais entidades, não abona para a melhoria da resposta. Imagine-se um país em guerra em que os políticos não apoiem as suas forças armadas e criem um clima de desconfiança entre as diversas forças envolvidas e os seus generais, dificilmente venceriam uma batalha. No sentido mais figurado, uma campanha de incêndios constitui uma “guerra” que se repete anualmente e, os Grandes Incêndios Florestais são batalhas que implicam um “exército” de combatentes devidamente formados, preparados, experientes, apetrechados e nas melhores condições físicas para o combate, bem como a exigência de uma coordenação experiente, com meios e recursos e alicerçada em bases de apoio à tomada de decisão.

Temos vindo a encarar os Grandes Incêndios Florestais com uma receita que se encontra completamente esgotada, a qual baseou-se nos últimos anos exclusivamente numa aposta de aquisição de meios e mais meios. Daí que não nos admiremos quando alguém coloca em causa a resposta da emergência porque considera que faltaram meios numa determinada ocorrência. Muitos são aqueles que atualmente julgam a coordenação dos últimos GIF’s pela falta de meios, porém quando olhamos aos inúmeros meios e recursos implicados nos teatros de operações, constata-se que face aos perímetros alcançados pelos incêndios, tais meios e recursos não impediram a extensão da propagação. Se compararmos os atuais GIF’s com os perímetros potenciais dos simuladores com fogo em propagação livre (sem combate) e com os incêndios passados (na maioria há 15 anos atrás) onde participaram menos meios e recursos, os perímetros atuais foram muito maiores, mesmo com a imensidão de recursos e melhores meios implicados no combate.

Mais do que pedir “cabeças” importa refletir ao final da campanha e avaliar a resposta do atual sistema em relação aos Grandes Incêndios Florestais e muito provavelmente mudar de rumo.

Convém salientar que o Sistema de Proteção Civil melhorou imenso nos últimos 15 anos, os agentes que o compõem e o sustentam formaram-se e apetrecharam-se, mas baseados numa “estratégia” onde historicamente a resposta aos incêndios florestais é reativa e, como tal, a atuação tem por base padrões de causa e efeito, logo sustenta-se no número de meios e recursos para o combate. No entanto, os padrões dos Grandes Incêndios Florestais implicam mudanças no sistema de combate, o que implica por sua vez mudanças radicais no Dispositivo de Extinção, pois este deve assumir-se como tal – Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais – ou seja, é essencial estar focado na extinção do fogo florestal, para além da proteção civil e das atuações nas zonas de interface urbano-florestal que deveriam ser assumidas por equipas distintas. No entanto, podemos constatar que enquanto o fogo lavra praticamente sem combate e se estende no espaço florestal, os meios de extinção se concentram nas zonas de interface, protegendo bens e vidas.
Foto 2 - Meios aéreos  pesados em ação
Fonte: M80 de 25 de julho de 2017
Fala-se e exige-se a necessidade de mais meios aéreos, mas os meios aéreos por si só não são eficientes sem o devido apoio em número suficiente de equipas devidamente preparadas para apoio à supressão do fogo durante as descargas, o que obriga a um aumento do efetivo de equipas helitransportadas e de equipas profissionais terrestres. Igualmente, seria importante integrar como foi no passado, as descargas aéreas com agentes retardantes (por ex. º biofosfato) em zonas de alto risco e estratégicas para o controlo.

Foto 3 - Podemos identificar nesta foto o correto e o incorreto no combate.
Fonte: Sapo24 de 25 de julho de 2017
Por outro lado, vários são aqueles que julgam a coordenação com base nos meios terrestres envolvidos, considerados poucos, mesmo que se encontrem perto de um milhar num único teatro de operações, como o caso de alguns GIF’s deste ano. No entanto, é preciso recordar que o nosso sistema de combate terrestre assenta sobretudo num modelo de extinção de reação fogo-água, apoiando-se em meios, até onde o veículo com água alcança. Na realidade o trabalho de combate florestal é muito residual, daí explicar-se a dimensão dos incêndios. Quando falo de trabalho de combate florestal, falo de, entre outras ações, de combate apeado com ferramentas, de uso de vias de comunicação como pontos de ancoragem para a execução de linhas de defesa e não como “vias de espera” ao fogo, execução de linhas de dois pés, eliminação de bolsas de combustível, manobras noturnas e ações antecipadas de combate nos pontos estratégicos de gestão (multipropagação).
Foto - Equipas Helitransportadas privadas da AFOCELCA. 
Fonte: Notícias ao Minuto/Global Imagens de 26 de julho de 2017
Enfim, mais do que exigir um “rolar de cabeças”, pois esse é o caminho mais fácil, os políticos locais e nacionais deveriam de exigir sim, uma mudança do sistema de combate e terem a coragem de produzir essa mudança. Esta mudança exige a profissionalização de equipas especializadas e dedicadas exclusivamente ao combate a incêndios florestais, à semelhança do que existe nos restantes Estados Membros da UE e nos países desenvolvidos onde os grandes incêndios são um risco presente. Recorde-se que sendo Portugal um país atlântico do Sul da Europa, com uma dimensão menor conseguiu, mais uma vez, apresentar este ano valores de área ardida superiores à soma dos totais de Espanha e de Itália, países muito maiores com características de despovoamento, assilvestramento e homogeneização de paisagens semelhantes às de Portugal, no entanto como um clima mais árido (essencialmente mediterrânico). Daí que poderemos dizer que o problema reside em todo o Sistema de Combate, nos seus diversos níveis, pois aqueles países à semelhança de muitos outros, profissionalizaram-se na área da extinção dos incêndios florestais e Portugal fez e mantém o caminho oposto.

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