Os centros de investigação aportam ao mundo operacional uma visão crítica e objetiva da problemática dos incêndios

Fonte: Bloc de CTFC Traduzido por Emanuel Oliveira Devido à importância da entrevista do companheiro e grande técnico Marc Castellnou, ...

Fonte: Bloc de CTFC
Traduzido por Emanuel Oliveira

Devido à importância da entrevista do companheiro e grande técnico Marc Castellnou, considero importante para Portugal os diversos pontos focados no presente artigo que se traduziu para um melhor entendimento. Marc toca vários pontos, quer na área da investigação dos incêndios florestais e na gestão florestal quer na área operacional do combate, temas estes que devemos considerar para o nosso território com vista a aplicar medidas e ações semelhantes, com o fim de estarmos mais preparados para futuros incêndios cada vez maiores e mais agressivos. Sublinho que Marc Castellnou dirige-se concretamente ao território da Catalunha, cujas características mediterrânicas possuem grandes diferenças quando comparadas com o território português fortemente influenciado pelo clima atlântico, onde a mudança climática será mais notável. Por outro lado destaco que Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer quer no estudo e investigação dos incêndios e do seu regime, quer no trabalho conjunto entre os centros de investigação, técnicos e operacionais, bem como a necessária integração dos responsáveis políticos para tomadas de decisão conjuntas na definição de medidas e ações concretas e operacionais para fazer frente aos Grandes Incêndios Florestais.

Marc Castellnou é Inspetor Chefe da Unidade Técnica GRAF (Grupo de Apoio de Actuações Florestais) e Presidente da Pau Costa Foundation. Engenheiro Florestal, desde 1999 exerce funções como analista de incêndios no Corpo de Bombeiros profissionais da Generalitat da Catalunha. Tem participado em diversos projetos europeus nos campos da modelização dos combustíveis, ecologia do fogo e gestão de incêndios. Tem publicado livros e artigos em revistas internacionais, além de numerosas palestras em congressos internacionais e cursos especializados.
Marc Castellnou
Que tipologias de incêndios podem ter as paisagens da Catalunha? Que aporta o estudo publicado recentemente?

Os incêndios florestais da Catalunha classificamo-los em três grandes grupos que são os topográficos, de vento e convectivos. Dentro destes grandes grupos encontramos até 14 subfamílias. Esta é a forma em que, a partir de 2002-2003, começamos a trabalhar com os padrões de propagação de incêndios para se poder desenhar estratégias diferentes. No início era uma classificação operacional que nos permitia diferenciar o tipo de incêndios e portanto não aplicar uma única solução para todos, mas antes aplicar uma solução mais adaptada a cada tipo de incêndio. Isto permitiu-nos esta mudança de 10 000 ha/dia para 1 000 – 2 000 ha/dia perdidos. Assim, utilizamos uma aproximação qualitativa para uma problemática operacional. Por sinal, o estudo que recentemente publicamos mostra números e é a primeira aproximação quantitativa a esta forma de pensar. Portanto, é um modo de tornar público todo este conhecimento e dar ferramentas para desenhar uma paisagem resiliente ao tipo de incêndio que a afeta. O estudo aporta e publica este conhecimento e permite enfrentar a problemática dos incêndios desde um ponto de vista muito mais realista em relação ao que tínhamos até agora que era simplesmente do ponto de vista do medo: fazer gestão reativa por partes para que não se queime tudo. Agora já podemos falar de fazer gestão de paisagens para evitar que cada tipo de incêndio nos afete a cada tipo de superfície, o que é uma grande diferença.

Que evolução dos incêndios se tem observado nos últimos anos?

Os incêndios de radiação e topográficos dos anos 60 eram incêndios que tinham por base o seu potencial na continuidade da paisagem. Nos anos 70 ganharam intensidade. São a primeira e a segunda geração de incêndios. Nos anos 80 e 90 entrou a terceira geração: ambiente de fogo e saltos de focos secundários, são os incêndios convectivos. Entre os 90 e o início do século XXI esta terceira geração entra na interface urbana e começa a entrar em simultaneidade de grandes incêndios que são os mega-incêndios. É a evolução do que chamamos de gerações de incêndios. Temos ganho em eficácia de extinção e reduzido o número de incêndios que se escapam, mas os incêndios que se escapam são cada vez mais rápidos, mais intensos, têm mais capacidade de convecção e são mais potentes. De facto, neste momento não dispomos de uma hora de tempo para atacar um incêndio antes que passe a fase convectiva, mas apenas meia hora, 20 ou 10 minutos. Isto conduz a que o incêndio não se possa atacar diretamente mas antes procurar os seus pontos fracos.
Basicamente nestes últimos 30 anos vivemos uma evolução dos incêndios com mais intensidade e, paralelamente, tivemos uma evolução do sistema de extinção para entender como funcionam os incêndios e incorporar metodologias de trabalho.

Quais são os principais fatores que podem levar a ter incêndios maiores e mais agressivos? Como crês que a gestão florestal pode ajudar na luta contra os incêndios?

O principal fator que leva a que um incêndio seja maior e mais agressivo é a acumulação de combustível morto e o nível de humidade do combustível vivo. Este fatores dependem sobretudo da densidade de pés por hectare que existe numa parcela florestal por um lado e, por outro, da quantidade de anos que essa mesma estrutura florestal está estagnada. A falta de gestão florestal e a falta de dinâmica florestal por perturbações naturais provoca estas acumulações sobre a paisagem. A única forma de quebrar a ascensão da intensidade e velocidade dos incêndios florestais é a gestão florestal para se conseguir uma ideia de paisagem que seja resiliente à perturbação. Portanto, não nos centrando apenas na gestão florestal da parcela para produzir madeira, mas antes na gestão da paisagem para produzir o mosaico de diferentes estruturas e na própria dinamização destas estruturas, como por exemplo o incêndio florestal como ferramenta de gestão desta paisagem.

Que valor aportam os Centros de Investigação Florestal (CTFC e CREAF) no mundo operacional da extinção de incêndios? E vice-versa?

Os centros de investigação aportam ao mundo operacional uma visão crítica e objetiva da problemática dos incêndios. Muitas vezes têm uma visão com pouco conhecimento do mundo real, o que os torna atrevidos e isto permite-lhes ver as coisas desde vários pontos de vista e portanto melhorar a visão que temos.
Por outro lado, ajudam-nos a responder a questões relacionadas com as nossas necessidade e nossos dados. Já estão muito longe os anos em que o mundo da investigação tentava impor uma visão ou uns modelos e, agora, existe uma capacidade de colaboração e de aportar uma visão muito mais desenvolvida e muito mais profunda. Sendo assim, contribuem para a capacidade de crescimento: os temas dos incêndios de desenho, incêndios tipo, temas de paradoxo, modelos de combustível, etc., caso contrário não poderíamos ter avançado ou não teríamos tido talvez essa capacidade de fazê-lo, sem ter por detrás o input ou a visão crítica e curiosa dos centros de investigação. No final é uma associação positiva.

Como serão os incêndios do futuro? Que impacto crês que terá a mudança climática no regime de incêndios no Mediterrâneo?

Os incêndios do futuro serão como os que temos agora mas com campanhas muito mais longas. A campanha de incêndios de 2014 não se acabou relativamente à de 2015. Tivemos incêndios desde novembro até agora e passamos a ter um risco permanente. A temperatura media em novembro é mais alta e chove a mesma quantidade, mas chove cada vez mais concentrado em momentos pontuais; a mudança climática leva a esta tendência. Por outra parte, neste momento estamos a viver o momento do clímax de incêndios florestais. Estamos num momento de mudança onde temos incêndios florestais muito graves devido a condições meteorológicas adversas e estrutura stressadas e estagnadas. Diante deste cenário de mudança climática, os incêndios florestais tornam-se mais ibéricos, uma vez que um clima mais seco ou mais árido no verão não permite tantas acumulações de combustível em forma de matos e passaremos a ter incêndios binários de estrato herbáceo e pouco mato com estratos arbóreos. Este facto seguramente levará a termos menos famílias de incêndios: das 14 que temos agora seguramente reduziremos. Portanto, eu creio que os próximos 20 anos serão muito complicados mas a situação tenderá a melhorar, não em relação ao comportamento dos incêndios mas relativamente ao regime de incêndios: teremos um regime de incêndios mais semelhante ao que pode ser o andaluz ou o aragonês.

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Os centros de investigação aportam ao mundo operacional uma visão crítica e objetiva da problemática dos incêndios
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